(Imagem do Blog da Feira)
Há
uma semana, saiu uma matéria do jornalista Jânio Rêgo, no Blog da Feira, sobre
a minha possível candidatura à prefeitura de Feira de Santana, na Bahia. No
mesmo dia, recebi algumas mensagens da imprensa querendo que eu respondesse à seguinte
questão: “Afinal, Sidinea Pedreira, você
é ou não é a candidata do PSOL a prefeitura de Feira de Santana?” Ainda, no
mesmo dia, algumas pessoas se manifestaram através de áudios, questionando a
minha possível candidatura, outros, manifestaram apoio, visto conhecer o nosso
trabalho na cidade, outros ainda, amigos e militantes/parceiros na luta,
escreveram mensagens de apoio e de encorajamento. Realmente, a notícia de que uma
MULHER negra, oriunda de família pobre, nascida em um bairro periférico da
cidade, poderia ser a possível candidata a majoritária da segunda maior cidade
do Estado, causou uma espécie de frenesi.
Por
alguns instantes, eu pensei: por que algumas pessoas questionam a possibilidade
de ter uma mulher negra ocupando o cargo no executivo desta cidade? Por que a
notícia de uma candidatura de mulher negra à prefeitura de uma cidade como
Feira de Santana chamaria a atenção de alguns segmentos e de algumas pessoas? Por
outro lado, ainda me questionei: se nós, mulheres, somos mais do que 51% da
população, por que não haveríamos de querer um governo pensado estrategicamente
por uma mulher? Afinal, os governos que tivemos nos últimos anos, ou melhor
dizendo por décadas, ou ainda melhor dizendo, sempre, não têm representado a
nós mulheres. E por que haveríamos de querer que homens que aplicam o velho
autoritarismo político, continuem a governar a nossa cidade? (lembrando que não
estou a fazer apologia à velha política de guerra entre os sexos) Por que
haveríamos de desejar que as mulheres continuem a não ter direito de ir e vir
nesta cidade, de escolherem e de terem, de fato, sua própria representação?
É
bom lembrarmos que nesta cidade, em pleno século XXI, convivemos ainda com
problemas do século XIX, como ausência de saneamento básico, e presença de lixões,
que infelizmente, ainda pintam alguns dos mais tristes retratos na cidade, por
exemplo.
Ao
ser chamada para a primeira entrevista numa rádio aqui na minha cidade, pensei:
O meu partido ainda não votou os nomes dos candidatos, então, por que haveria
de falar numa entrevista? Mas, rapidamente, pensei também, que historicamente,
não só no Brasil, mas no mundo todo, as mulheres foram ensinadas a sempre serem
representadas por alguém. Pais, irmãos, maridos, tutores falaram sempre por
nós. Mas a luta feminista mudou essa situação. NÃO PRECISAMOS MAIS QUE NINGUEM FALE POR NÓS! E por isso, decidi,
eu mesma, falar em meu nome que as mulheres são capazes de governar sim. E
sabem por que?
As
mulheres são capazes de assumir o executivo, exercer muito bem esse papel, e
governar para todos, para aqueles, que como elas, sentem na pele o que é viver
numa cidade de exclusão onde não tem políticas públicas voltadas para elas,
onde não se tem creches públicas, onde a política de educação ainda é
insuficiente, onde há ausência de lazer, na maior parte dos bairros periféricos,
onde se tem medo do sistema de saúde, enfim.
Eu
pensei: as mulheres sim, sabem o que é viver nessa cidade! As mulheres sabem o
que é trabalhar na cozinha de outras famílias e fazer malabarismos para manter
firme uma família. A maioria das mulheres da periferia da minha cidade sabe o
que é utilizar o vergonhoso transporte público daqui e ainda ter que levar seus
filhos dentro deles, muitas vezes, se espremendo para não cair e para equilibrá-los.
As mulheres sabem o que é sustentar uma família a partir do trabalho no mercado
informal. As mulheres sim, sabem o que é a vida de camelô nessa cidade, pois
elas estão espalhadas em toda e qualquer rua principal daqui mantendo vivo o
comércio seja nas lojas, seja nas feiras livres, mesmo sabendo que o governo atual,
em todas as suas gestões anteriores, quis invisibilizar e acabar com este. As
mulheres sabem o que é levar suas crianças e seus idosos, muitas vezes doentes,
para os hospitais dessa cidade, e sabem exatamente como se encontram esses
lugares. Nós, mulheres, temos uma visão muito clara do que é viver nessa cidade
e do que é cuidar de outras pessoas aqui. Nós sabemos o que é andar nas ruas de
uma das cidades mais violentas do Brasil, e sabemos também o que é temer andar
na noite em uma cidade que a cada ano mata e agride mais e mais mulheres. E
ainda, alguém nos questiona se uma mulher poderia governar essa cidade?
Toda
mulher que vive na periferia de uma cidade como Feira de Santana (mas não só
mulheres, é claro), teria sensibilidade o suficiente para listar os problemas
mais graves que assolam a população, e poderia traçar uma lista dos problemas
que deveriam ser prioridades numa gestão do executivo nessa cidade. E, ainda,
nos espantamos com a possibilidade de uma mulher ser candidata a executiva? Por
que isso ainda acontece? É ainda uma pergunta que eu faço a mim mesma! E que já
a algum tempo tento responder.
O
que eu me espanto não é com a possibilidade de uma candidatura a majoritária de
uma mulher. Eu me espanto é com essas lideranças autoritárias e machistas
ocupando cargos de poder arbitrariamente e impondo projetos como o BRT “goela a
baixo” da população. Espanto-me com a arbitrariedade de um executivo que
arranca árvores do coração da cidade, mas que diz respeitar uma política de
preservação ao meio ambiente. Espanto-me com uma cidade em que o seu executivo descumpre
leis federais, como a lei que estabelece a obrigatoriedade de um Plano de Diretor
de Desenvolvimento Urbano (PDDU) antes que qualquer projeto de impacto seja
implantado nela.
Num país onde o sufrágio feminino aconteceu há
quase 84 anos, é realmente triste ver a sub-representação de mulheres nos
espaços políticos. É triste saber, por exemplo, que dos 31 Ministérios
Federais, temos apenas 3 que são chefiados por mulheres. Triste e ínfima representação!
Triste é mesmo saber que em Feira de Santana, ao longo de sua história na
Câmara Legislativa somente pouco mais do que 5 mulheres já passaram por esta
Câmara, e que nenhuma destas mulheres jamais ocupou um cargo de presidência
nela. Triste também saber que jamais qualquer mulher nessa cidade foi candidata
ao cargo de Prefeita.
Triste
Câmara de Vereadores, triste cadeira do Executivo de Feira de Santana. Nunca
jamais governada e liderada por uma mulher, que dirá por uma mulher negra e
feminista. Talvez, seja essa uma das justificativas para tantos e subsequentes fracassos?
Quem vai responder?
Fui
chamada à uma segunda entrevista, também, durante essa semana, por outra rádio
da cidade. E a mesma pergunta me foi feita, dentre outras: “Afinal, Sidinea Pedreira, você é ou não é a candidata a prefeita de
Feira de Santana pelo PSOL? E, desta vez, comecei a minha resposta com uma
indagação: POR QUE NÃO?
Alguém
poderia me responder por que uma mulher,
particularmente, uma mulher negra e nascida na periferia de Feira de Santana,
não pode ser candidata a prefeita dessa cidade?
Sidinea Pedreira,
é mestre em Estudos Feministas pela Universidade de Coimbra, Portugal, integra
o Grupo de Estudos Literários Contemporâneos (GELC) da Universidade Estadual de
Feira de Santana (UEFS), integra o Coletivo de Mulheres de Feira de Santana e
milita no Setorial de Mulheres do PSOL Feira.