quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

POR QUE NÃO? DESMISTIFICANDO AS CANDIDATURAS DE MULHERES ÀS ELEIÇÕES MAJORITÁRIAS EM FEIRA DE SANTANA

                                                           (Imagem do Blog da Feira)

Há uma semana, saiu uma matéria do jornalista Jânio Rêgo, no Blog da Feira, sobre a minha possível candidatura à prefeitura de Feira de Santana, na Bahia. No mesmo dia, recebi algumas mensagens da imprensa querendo que eu respondesse à seguinte questão: “Afinal, Sidinea Pedreira, você é ou não é a candidata do PSOL a prefeitura de Feira de Santana?” Ainda, no mesmo dia, algumas pessoas se manifestaram através de áudios, questionando a minha possível candidatura, outros, manifestaram apoio, visto conhecer o nosso trabalho na cidade, outros ainda, amigos e militantes/parceiros na luta, escreveram mensagens de apoio e de encorajamento. Realmente, a notícia de que uma MULHER negra, oriunda de família pobre, nascida em um bairro periférico da cidade, poderia ser a possível candidata a majoritária da segunda maior cidade do Estado, causou uma espécie de frenesi.

Por alguns instantes, eu pensei: por que algumas pessoas questionam a possibilidade de ter uma mulher negra ocupando o cargo no executivo desta cidade? Por que a notícia de uma candidatura de mulher negra à prefeitura de uma cidade como Feira de Santana chamaria a atenção de alguns segmentos e de algumas pessoas? Por outro lado, ainda me questionei: se nós, mulheres, somos mais do que 51% da população, por que não haveríamos de querer um governo pensado estrategicamente por uma mulher? Afinal, os governos que tivemos nos últimos anos, ou melhor dizendo por décadas, ou ainda melhor dizendo, sempre, não têm representado a nós mulheres. E por que haveríamos de querer que homens que aplicam o velho autoritarismo político, continuem a governar a nossa cidade? (lembrando que não estou a fazer apologia à velha política de guerra entre os sexos) Por que haveríamos de desejar que as mulheres continuem a não ter direito de ir e vir nesta cidade, de escolherem e de terem, de fato, sua própria representação?

É bom lembrarmos que nesta cidade, em pleno século XXI, convivemos ainda com problemas do século XIX, como ausência de saneamento básico, e presença de lixões, que infelizmente, ainda pintam alguns dos mais tristes retratos na cidade, por exemplo.

Ao ser chamada para a primeira entrevista numa rádio aqui na minha cidade, pensei: O meu partido ainda não votou os nomes dos candidatos, então, por que haveria de falar numa entrevista? Mas, rapidamente, pensei também, que historicamente, não só no Brasil, mas no mundo todo, as mulheres foram ensinadas a sempre serem representadas por alguém. Pais, irmãos, maridos, tutores falaram sempre por nós. Mas a luta feminista mudou essa situação. NÃO PRECISAMOS MAIS QUE NINGUEM FALE POR NÓS! E por isso, decidi, eu mesma, falar em meu nome que as mulheres são capazes de governar sim. E sabem por que?

As mulheres são capazes de assumir o executivo, exercer muito bem esse papel, e governar para todos, para aqueles, que como elas, sentem na pele o que é viver numa cidade de exclusão onde não tem políticas públicas voltadas para elas, onde não se tem creches públicas, onde a política de educação ainda é insuficiente, onde há ausência de lazer, na maior parte dos bairros periféricos, onde se tem medo do sistema de saúde, enfim.

Eu pensei: as mulheres sim, sabem o que é viver nessa cidade! As mulheres sabem o que é trabalhar na cozinha de outras famílias e fazer malabarismos para manter firme uma família. A maioria das mulheres da periferia da minha cidade sabe o que é utilizar o vergonhoso transporte público daqui e ainda ter que levar seus filhos dentro deles, muitas vezes, se espremendo para não cair e para equilibrá-los. As mulheres sabem o que é sustentar uma família a partir do trabalho no mercado informal. As mulheres sim, sabem o que é a vida de camelô nessa cidade, pois elas estão espalhadas em toda e qualquer rua principal daqui mantendo vivo o comércio seja nas lojas, seja nas feiras livres, mesmo sabendo que o governo atual, em todas as suas gestões anteriores, quis invisibilizar e acabar com este. As mulheres sabem o que é levar suas crianças e seus idosos, muitas vezes doentes, para os hospitais dessa cidade, e sabem exatamente como se encontram esses lugares. Nós, mulheres, temos uma visão muito clara do que é viver nessa cidade e do que é cuidar de outras pessoas aqui. Nós sabemos o que é andar nas ruas de uma das cidades mais violentas do Brasil, e sabemos também o que é temer andar na noite em uma cidade que a cada ano mata e agride mais e mais mulheres. E ainda, alguém nos questiona se uma mulher poderia governar essa cidade?

Toda mulher que vive na periferia de uma cidade como Feira de Santana (mas não só mulheres, é claro), teria sensibilidade o suficiente para listar os problemas mais graves que assolam a população, e poderia traçar uma lista dos problemas que deveriam ser prioridades numa gestão do executivo nessa cidade. E, ainda, nos espantamos com a possibilidade de uma mulher ser candidata a executiva? Por que isso ainda acontece? É ainda uma pergunta que eu faço a mim mesma! E que já a algum tempo tento responder.

O que eu me espanto não é com a possibilidade de uma candidatura a majoritária de uma mulher. Eu me espanto é com essas lideranças autoritárias e machistas ocupando cargos de poder arbitrariamente e impondo projetos como o BRT “goela a baixo” da população. Espanto-me com a arbitrariedade de um executivo que arranca árvores do coração da cidade, mas que diz respeitar uma política de preservação ao meio ambiente. Espanto-me com uma cidade em que o seu executivo descumpre leis federais, como a lei que estabelece a obrigatoriedade de um Plano de Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) antes que qualquer projeto de impacto seja implantado nela.

 Num país onde o sufrágio feminino aconteceu há quase 84 anos, é realmente triste ver a sub-representação de mulheres nos espaços políticos. É triste saber, por exemplo, que dos 31 Ministérios Federais, temos apenas 3 que são chefiados por mulheres. Triste e ínfima representação! Triste é mesmo saber que em Feira de Santana, ao longo de sua história na Câmara Legislativa somente pouco mais do que 5 mulheres já passaram por esta Câmara, e que nenhuma destas mulheres jamais ocupou um cargo de presidência nela. Triste também saber que jamais qualquer mulher nessa cidade foi candidata ao cargo de Prefeita.

Triste Câmara de Vereadores, triste cadeira do Executivo de Feira de Santana. Nunca jamais governada e liderada por uma mulher, que dirá por uma mulher negra e feminista. Talvez, seja essa uma das justificativas para tantos e subsequentes fracassos? Quem vai responder?

Fui chamada à uma segunda entrevista, também, durante essa semana, por outra rádio da cidade. E a mesma pergunta me foi feita, dentre outras: “Afinal, Sidinea Pedreira, você é ou não é a candidata a prefeita de Feira de Santana pelo PSOL? E, desta vez, comecei a minha resposta com uma indagação: POR QUE NÃO?

Alguém poderia me responder por que uma mulher, particularmente, uma mulher negra e nascida na periferia de Feira de Santana, não pode ser candidata a prefeita dessa cidade?


Sidinea Pedreira, é mestre em Estudos Feministas pela Universidade de Coimbra, Portugal, integra o Grupo de Estudos Literários Contemporâneos (GELC) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), integra o Coletivo de Mulheres de Feira de Santana e milita no Setorial de Mulheres do PSOL Feira.